segunda-feira, 15 de março de 2010

Estaleiro – Presente de grego?

O professor Dardano Nunes de Melo volta a abordar a polêmica em torno da localização do futuro estaleiro Promar. O governador Cid Gomes quer o projeto na praia do Titanzinho, enquanto a prefeita Luizianne Lins é contra. Confira o artigo:

Certamente que o conflito político entre Cid Gomes e Luizianne Lins é diferente daquele que causou a guerra entre Gregos e Troianos(1.300 a 1.200 a.c), mas pode ter nuances parecidas. Tudo ocorreu devido ao rapto de Helena, que era esposa do rei Meneleu (não confundir com o secretário de planejamento de Luizianne), quando Páris, filho do rei Priano de Tróia foi a uma reunião em Esparta e se apaixonou pela rainha. O rei magoado, em represália, designou o general Agamenon para atacar Tróia e trazer Helena de volta.
A refrega durou 10 anos e nesta luta morreram heróis como Heitor e Aquiles. O fato mitológico foi real, já comprovado por sondagens arqueológicas na Turquia feitas pelo alemão Heinrich Schliemann. O filho de Aquiles, Neptoleno presenciou a vitória dos Gregos que utilizaram a estratégia de Odisseu, ou seja, foi construído por Epeu um grande cavalo de madeira onde vários soldados gregos ficariam escondidos, o qual seria entregue aos Troianos como presente e um símbolo de paz. Com o gesto os Troianos se consideraram vencedores e comemoraram até a exaustão e dormiram. Assim os gregos saíram do cavalo e abriram os portões de Tróia para que ela fosse invadida e destruída totalmente.
Sendo o estaleiro um grande presente dos empresários Valdomiro Arantes e Paulo Haddad (PJMR), para o povo do Titanzinho, a redenção econômica e social do lugar, faz-se necessário examinar com muito cuidado o que tem por dentro deste presente (cavalo). O governador o achou lindo (1.000 empregos diretos e 5.000 indiretos) e ainda aumenta-o com R$ 60 milhões de reais.
A Prefeita de Fortaleza parece ter lido os poemas de Ilíadas e Odisséia escritos por Homero (VIII a.c), e a saga da luta, por isto alerta, como responsável maior pelos destinos de Fortaleza, para muitos pontos que podem transformar o estaleiro num cavalo de Tróia.
O planejamento da cidade não previa um estaleiro na capital, pois ao longo dos últimos anos Fortaleza viu o setor industrial migrar para a periferia metropolitana e a cidade se tornar um centro de serviços e pólo de turismo nacional e internacional. A vocação natural e mercadológica da cidade é para o turismo que gera 15% dos empregos e 28% do PIB. A importância desta atividade é tamanha no que tange á geração de emprego e distribuição de renda que apenas um hotel 5 estrelas com mil leitos gera muito mais empregos que o Estaleiro, ou seja, 1.500 empregos diretos (índice 1.5 de empregabilidade por leito-OMT) e 13.500 empregos indiretos (índice 1 para 9- OMT), índices bem superiores ao da indústria. Vale observar que os empregos indiretos da indústria, principalmente do Estaleiro, serão gerados noutras regiões fornecedoras, enquanto a cadeia produtiva do turismo é quase totalmente local.
A característica do emprego na indústria é bem diferente do turismo. No caso da metalúrgica (Estaleiro), indústria de caráter pesado, o emprego é altamente especializado. A formação da mão-de-obra exigirá qualificação superior e técnica (universidades e escolas técnicas) com pré-requisitos de formação elevados e tempo de formação de 2 a 5 anos e no caso do Titanzinho a escolaridade é baixa juntamente com o IDH. A indústria tem elevada tecnologia de automação (pouca absorção de mão de obra). A geração dos 1.000 empregos se dará na construção do equipamento (mão-de-obra de baixa qualificação) e quando do funcionamento os empregos se afunilarão.
No turismo, a indústria é leve e pouco especializada, o pré-requisito é nossa nativa hospitalidade para a maioria das funções é de alfabetização e primário, com tempo de formação de 3 a 6 meses. O turismo é uma oferta de serviço de elevada absorção de-mão-de obra e gera muito mais empregos no funcionamento do hotel do que na construção. Os salários médios pagos no estaleiro são de R$ 900,00 (novecentos reais), o que não diferencia muito do turismo. O planejamento não é uma ciência estática e em função da dinâmica ele pode modificar até mesmo o plano diretor, a legislação, etc.
Entretanto, esta dinâmica tem que ser evolutiva e voltada para um sentido racional de sustentabilidade econômica, social e ambiental, tudo visando o melhor para a sociedade. No caso do estaleiro, há que aprofundar estudos que possibilitem tomadas de decisão certa. Um dos pontos a serem definidos é a compatibilidade, ou não, do Estaleiro com o turismo -- principal diretriz do desenvolvimento de Fortaleza e para o qual estão acorrendo os maiores investimentos: Centro de Feiras, Aquário, Copa do Mundo, Projeto Orla etc, representando bilhões de dólares. Será que o Estaleiro não está na contramão destes investimentos? Pelas características urbanísticas da cidade, a paisagem de um estaleiro no Titanzinho, sem dúvida, não seria cartão de visita para a cidade, mas ninguém melhor do que o próprio turista poderia responder o que eles acham da localização, já que eles são os compradores do produto Fortaleza e os geradores dos empregos. Eles deveriam ser os primeiros a serem consultados.
O estaleiro vai impactar um espaço que é da população do Titanzino. Assim, eles também deveriam opinar e, por fim, auscultar também o cidadão fortalezense, já que o estaleiro será na cidade. A tendência dos tanques do porto é migrar para o Pecém, a Transnordestina vai para o Pecém, o plano diretor do Pecém prevê estaleiros, por que, então, não construí-lo lá? A resposta está na economicidade da obra, no custo benefício, mas isto do lado do empresário, que esconde dentro do cavalo de Tróia (Estaleiro) suas intenções prioritárias de lucro, e não, de ajudar a comunidade; e sem preocupação com sustentabilidade turística, urbanística e ambiental.
Será que o estaleiro vai gerar para a cidade mais empregos e impostos do que se deixará de ganhar com a retração do fluxo turístico que possivelmente causará? O senhor Valdomiro Arantes afirmou:- “o estaleiro terá um faturamento, no primeiro ano, de 200 milhões de dólares, logo nos cinco anos serão hum milhão de dólares com os contratos da Transpetro”. Ora, com o pré-sal a Transpetro fará novas encomendas, a Vale está com um pedido de 52 navios, os Árabes que tiveram seus estaleiros destruídos pelas guerras estão cheios de pedido e por ai vai (60 bilhões de dólares). Se existe mercado, a empresa é sólida, e o Ceará tem uma localização estratégica em função da eqüidistância (Europa-EUA) para receber os componentes para fabricação das embarcações, além de possuir “maritimidade”(cultura com o mar), a indústria não é sazonal, por que as ações são imediatistas e meramente economicistas de curto prazo? Isto leva a entender que a Proamar fará somente a encomenda da Transpetro e irá virar um entulho de ferro no Titanzinho. Ela não está acreditando no mercado e nem está respeitando a tendência do futuro do Ceará: tudo de Porto no Pecém, industrias no Interior e região metropolitana; e em Fortaleza: serviços e turismo.
O alerta da Prefeitura também refere-se à possibilidade de graves impactos ambientais na cidade e arredores em função do grande aterro (4 hactares ), a produção de lixo mineral, o impacto na biologia marinha etc… Outros aspectos devem também ser levados em conta como impacto social na mudança das atividades de pesca e desporto (surf) da população, a degradação social e econômica das pessoas do bairro caso o mercado encolha e o Estaleiro feche. A ampliação das estruturas portuárias levam sempre, em todo mundo, o aumento da prostituição, fato muito negativo para o turismo saudável da cidade. A incompatibilidade do Estaleiro com o projeto de urbanização da área.
Estes fatos conjugados podem transformar o estaleiro num presente de grego. Os deputados do PSDB, PMDB e alguns do PT de Cid, nas audiências pública, pareciam cruzar o mar Egeu para atacar Tróia como guerrilheiros do rei(Cid) e defendiam a qualquer custo a geração dos 1.000 empregos para a comunidade. Não raciocinavam eles que os 60 milhões da contra-partida do Estado para a construção do Estaleiro poderiam representar 15.000 empregos diretos e 60.000 indiretos se fossem aplicados no Titanzinho em cooperativas de economia solidária dentro da cadeia produtiva do turismo, no contexto de um distrito temático (o célebre navegador espanhol Vicente Ianez Pinzon descobrindo o Brasil no Rostro Hermoso de Fortaleza quatro meses antes de Cabral avistar o Monte Pascoal e/ou o Castelo Encantado do Mucuripe onde Iracema, a virgem dos lábios de mel, ia chorar a saudade de Moreno, o amado guerreiro branco de alem mar).
Qual a diferença entre Luizianne e Cid? O capitalismo liberal (neoliberalismo) tem uma mão invisível que é a força do mercado. Ela impera e manda, e a população obedece. Ela é a lei a que todos devem curvar-se. Na social democracia participativa, as políticas são orientadas pelas pessoas, onde a vontade da maioria predomina. Cid e o PSDB vem da escola de Adam Smith e por isto atropelam as políticas participativas de Luizianne e do PT. O que não combina são os estilos de condução dos processos de gestão de Cid e Luizianne. A gestão compartilhada é muito mais difícil, lenta, filosófica, pragmática, busca a decisão coletiva e descentralizada, controle menos rígido, variáveis intangíveis, valoriza mais os objetivos que as metas, o principal é o bem estar social. A gestão liberal vai na direção do mercado, é mais fácil, individual, centralizada, rápida e menos pragmática, 100% de controle, variáveis tangíveis, trabalha mais com metas do que com objetivos, o principal é fazer caixa para investimentos em infra-estrutura básica e produtiva.
Qual dos dois modelos é o melhor? O melhor seria a junção dos dois e o velho prefeito Juraci Magalhães certa vez me disse uma coisa que até hoje, como profissional do planejamento fico a pensar em como compatibilizar o “fazejamento” e o planejamento. “Eu levo minha gestão fazendo e planejando, planejando e fazendo”. Vendo seu estilo aprendi um pouco. Ele fazia uma participação direta ouvindo a população nos bairros (a coleta da informação era feita por ele mesmo) mas, infelizmente, não era bem discutida. Por outro lado ele não perdia tempo e fazia, principalmente aquilo que não tinha que se discutir, era para ontem. Se os estilos de Cid e Luizianne fossem iguais, talvez não estivesse havendo esta polêmica do estaleiro e, quem sabe, ele seria um presente do bem e não um presente de grego.

Dárdano Nunes de Melo
Prof. do IFCe e diretor do Sindicaturismo


Fonte: Publicado originalmente: 07-03-2010 | Autor: blog eliomardelima | Categoria(s): Economia, Política

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