II SEMINÁRIO SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS: IMPLICAÇÕES PARA O NORDESTE
Carta de Fortaleza
26 de novembro de 2008
1. Introdução
O “Segundo Seminário sobre Mudanças Climáticas: Implicações para o Nordeste” reuniu pesquisadores, técnicos, especialistas e representantes da sociedade civil, entre 24 e 26 de novembro de 2008, na cidade de Fortaleza, Ceará. Os participantes tomaram conhecimento das constatações e previsões hoje disponíveis sobre mudanças climáticas e discutiram as implicações dessas mudanças para a região Nordeste e especialmente para o Semi-árido.
Alertados e conscientizados sobre a gravidade das expectativas de mudanças climáticas e de suas conseqüências, os participantes resolveram escrever esta “Carta de Fortaleza” e apresentá-la aos dirigentes de governo e representantes da sociedade durante a “Primeira Conferência Regional sobre Mudanças Climáticas e o Nordeste” e instalação da “Comissão Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos das Secas”, em 26 de novembro de 2008.
2. O Desafio
Mudanças climáticas causadas pela atividade humana no planeta estão acontecendo e maiores mudanças estão por vir. O Semi-árido é a região mais vulnerável frente a possíveis mudanças, em virtude do clima existente e da pobreza de boa parte de sua população. Ao mesmo tempo, são os pobres que têm menos capacidade de adaptação. O desafio é como a sociedade e os governos vão enfrentar os impactos dessas mudanças.
Estamos chamando a atenção urgente dos dirigentes dos governos, dos planejadores, das lideranças do setor privado e da sociedade civil, bem como da mídia e da população em geral para este desafio enorme que o Nordeste e as áreas susceptíveis a desertificação terão que enfrentar.
3. Cenários de Mudanças de Clima
- Cenários Globais
Existe consenso na ciência e em número crescente de tomadores de decisão sobre estar-se diante de um problema gravíssimo. Na realidade, o aquecimento global já é um fenômeno aceito pela comunidade científica.
A temperatura média da Terra aumentou meio grau centígrado nos últimos 50 anos. Os resultados da maioria dos modelos de circulação global coincidem em prever um aquecimento entre 2 e 6 ºC até o final do século XXI. Há consenso, no âmbito do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, de que essas mudanças se estão acelerando e decorrem de atividades humanas.
Muitos dos impactos antecipados pela ciência, a partir das mudanças globais, já estão sendo observados, superando os piores prognósticos. As geleiras no Ártico, no Antártico e nas montanhas da África, das Américas, da Europa e da Ásia estão descongelando. Em conseqüência, o nível do mar já começa a subir em algumas regiões e poderá elevar-se em cerca de 40 centímetros até o final do século.
Mais grave ainda, as terras congeladas, no norte da Europa, Ásia e América, estão descongelando, com o agravante de que esse processo libera gases adicionais para a atmosfera.
As previsões incluem também maior freqüência de eventos extremos em todos os continentes, como secas, enchentes, ondas de calor e furacões. Globalmente, as regiões semi-áridas, onde vive a maior parte das pessoas mais pobres do planeta, são as mais vulneráveis.
Esses processos terão um forte impacto sobre a disponibilidade de recursos hídricos no planeta, afetando bilhões de pessoas.
- Cenários para o Nordeste e o Semi-árido
Os modelos de mudanças climáticas convergem sobre a ocorrência de temperaturas mais altas na Região Nordeste. Isto implica maior evaporação de água e transpiração das plantas e, portanto, em aumento do déficit hídrico, menor umidade do solo e maiores índices de aridez.
As secas e as enchentes serão mais freqüentes e mais intensas. Haverá maior ocorrência de veranicos, e estes podem ser de duração mais longa. Certas áreas hoje caracterizadas como “sub-úmidas secas” podem passar a semi-áridas, e as semi-áridas a áridas. Algumas sub-regiões do Semi-árido onde se pratica hoje agricultura de subsistência não permitirão mais esse tipo de atividade.
O aumento do nível do mar afetará as costas do Nordeste, incluindo cidades, mangues, e lugares de importância turística.
4. Impactos
As mudanças do clima terão severos impactos sobre uma região que já vem sofrendo repetidos transtornos climáticos e é caracterizada pela pobreza de boa parte da população urbana e rural. As mudanças tenderão a aumentar os problemas de clima, solo e água, e dificultarão a vida da população, especialmente dos pobres, que são mais vulneráveis. Se o acesso à água já era altamente desigual, a maior escassez de água pode exacerbar esta desigualdade.
Já é possível apontar uma série de impactos ambientais, econômicos e sociais. Degradação ambiental e desertificação ocorrerão de forma mais ampla e intensa. Perda de solos, seja física, química ou biológica, e perda de biodiversidade serão aceleradas. A capacidade de suporte dos ecossistemas será ainda mais comprometida, e a oferta de água sofrerá deterioração em termos de quantidade, qualidade e regularidade.
Atividades econômicas serão afetadas em vários setores, dos quais vale destacar a agricultura e a pecuária, a mineração, indústria, hidroenergia e turismo. As áreas aptas para culturas de subsistência serão reduzidas, as culturas irrigadas precisarão de mais água, o espaço para a agroindústria será diminuído e a produtividade de culturas e pastagens em geral será afetada. Áreas desertificadas serão abandonadas, aumentando a pressão sobre as áreas restantes, comprometendo ainda mais a qualidade ambiental dos ecossistemas e dos recursos naturais.
Na ausência de esforços eficazes para adaptação ao novo clima, o abastecimento de água limpa para consumo humano tanto no meio rural quanto nas cidades sofrerá impactos severos. Certos vetores de doença se expandirão em conseqüência. Enchentes ameaçarão vidas e propriedades com maior freqüência.
O êxodo rural para as cidades aumentará e ampliará o leque de problemas sociais associados. Aumentará a pobreza em geral, incluindo a fome. No interior, haverá impactos sobre a cultura tradicional e sobre a auto-estima dos que ficam no campo.
Tudo isto ocorrerá em uma região já muito flagelada pelas secas e enchentes e pela pobreza. O Nordeste, e em particular o Semi-árido, é a área mais vulnerável do Brasil frente aos impactos das mudanças climáticas. É previsível que a população pobre sofrerá as conseqüências mais do que outros grupos, e ao mesmo tempo estará menos preparada a adaptar-se às mudanças.
5. Como enfrentar o desafio?
As mudanças climáticas e seus impactos não ocorrerão todos de imediato, embora alguns efeitos já possam ser percebidos. É preciso adotar uma visão de longo prazo, iniciando desde já o planejamento sobre o curto, médio e longo prazo. As atitudes, estruturas, hábitos e tecnologias atuais dos atores e da sociedade não mudarão rapidamente. Portanto, não há tempo a perder para explorar as estratégias necessárias e colocá-las na prática. O custo de não agir imediatamente será muito alto.
- Conhecimento e Informação
Paralelamente a ações concretas, é preciso melhorar o conhecimento das mudanças, de seus impactos e das políticas de adaptação e mitigação. É preciso avançar nas pesquisas, nos estudos e no monitoramento do clima, meio ambiente e recursos naturais.
- Políticas Públicas
As ameaças das mudanças climáticas reforçam a necessidade de fomentar o desenvolvimento sustentável no Nordeste. A gestão dos recursos naturais - água, solos, cobertura vegetal, etc. – e do meio ambiente em geral ganha uma tremenda importância adicional. Se a gestão dos recursos hídricos no Semi-árido já era um desafio, torna-se agora mais urgente ainda. Se a desertificação já era uma preocupação séria no Semi-árido, as mudanças climáticas demandam que se multipliquem os esforços para combatê-la.
Serão exigidos grandes esforços de adaptação, sobretudo dos pobres. É primordial fortalecer sua capacidade de adaptação através da educação e da capacitação profissional.
Para enfrentar os impactos das mudanças climáticas, são necessárias instituições públicas fortes, começando pela capacidade de pesquisar e planejar, continuando com a gestão dos recursos hídricos e dos outros recursos naturais, serviços de saúde eficazes, e educação de qualidade que inclua todos e capacite os jovens a participar com sucesso no mercado de trabalho.
- Informação e Conscientização
É necessário promover o conhecimento, a produção e disseminação de informação sobre o tema e suas implicações, dar destaque ao desafio para a região, e apontar as necessidades para enfrentá-lo. Para isto, o envolvimento da mídia é fundamental.
6. Apelo
Os participantes do 2º Seminário sobre Mudanças Climáticas e o Nordeste apelam aos dirigentes políticos, às lideranças da sociedade civil e do setor privado, e à mídia, que tomem conhecimento e dêem maior atenção aos cenários emergentes e dos impactos graves das mudanças climáticas que ameaçam as condições de vida na Região Nordeste.
Convocam a todos a empregarem o melhor dos seus esforços e recursos para planejar e implementar ações, que levem ao desenvolvimento sustentável da Região, fortalecendo a capacidade de adaptação da sociedade, da economia e do meio ambiente e contribuindo, ao mesmo tempo, com os esforços de mitigação voltados para reduzir as causas dessas mudanças.
Lembram a necessidade de implementar, de maneira integrada, programas já existentes, voltados para promover a sustentabilidade regional, tais como o Plano Nacional de Combate a Desertificação e o Plano Nacional de Recursos Hídricos.
Apelam as lideranças governamentais e da sociedade que à temática aqui discutida, pela gravidade dos cenários apresentados.
(Texto e arquivo distribuído aos participantes, no final do seminário)
sexta-feira, 28 de novembro de 2008
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