segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Contra a Criminalização do Movimento Social

Ambientalistas e defensores dos direitos humanos preparam vigília contra a criminalização do movimento social. A idéia é um ato para sensibilizar as autoridades do Judiciário, Executivo e Legislativo. As mensagens a seguir mostram algumas perseguições aos movimentos no Ceará.


Há algum tempo, Maria Amélia apresentou aos colegas do movimento ambiental de Fortaleza a ideia de que façamos a vigília em solidariedade aos movimentos sociais,especialmente dos indígenas que ela acompanha mais de perto. A ideia toma corpo e está sendo discutida. As mensagens a seguir são parte dos diálogos que travamos em torno da proposta.
Eu acredito na publicização do problema como forma de levar para a sociedade o absurdo da criminalização de quem defende o meio ambiente, os índios, a vida. Talvez a forma mais adequada de sensibilizar o Judiciário que decide em última instância, mas também os demais poderes. Abordaríamos na vigília questões gerais do ambiente da cidade, com ênfase para a criminalização dos movimentos sociais: aqui entrariam todos os que sofreram e sofrem ameaças e ações diretas ou indiretas, incluído o MST. O caso do Movimento Salvem as Dunas do Cocó seria o de maior destaque no campo ambiental.
Sugeri a vigília ser feita em janeiro, a partir do dia 15, no Parque Ecológico Rio Branco, das 17 às 21h. Na forma de ato-show, com momento de caráter interreligioso em que várias lideranças e grupos de religiões de A a Z fizessem preces e manifestações conforme seus rituais. Acredito no poder de sensibilização tanto da arte como das fés. A fé move montanhas, está provado (como está provado, também que ela pode cegar as pessoas, quando manipulada por gente inescrupulosa).
Proponho o Parque Ecológico Rio Branco por uma questão prática: favorece a participação de quem vem de ônibus. Tem um anfiteatro maravilhoso. A hora proposta facilita a participação da mídia. As estações de tv podem fazer coberturas ao vivo, dentro de seus noticiários. O Parque Rio Branco seria ideal por sua posição geográfica de centro da cidade, para onde convergem todas as linhas de ônibus. A hora do término é boa quem se deslocar de ônibus até sua residência.
Participação importante neste ato seria a da OAB, citada pelo vereador João Alfredo Melo, além de tantas outras que convidaríamos, ligadas ao movimento social, religiões, partidos políticos. Creio que artistas locais dariam total apoio. A causa vale a participação, como em tantos outros momentos dessa nossa grande luta.
Eu, como membro do Movimento Proparque, ajudarei no que estiver ao meu alcance.

Ademir Costa
Jornalista/Movimento Proparque


Mensagem de Maria Amélia em resposta:

Ademir, amigas(os),

Vi as mensagens de vocês, de apelos muito justos, por sinal.
Foi bem oportuna a lembrança do Ademir, sobre a nossa proposta de uma vigília para um momento de força espiritual entre nós e com a proposta de adesão de mais apoiadores, maior compromisso de pessoasda sociedade civil organizada, a partir inclusive desse ato na defesa da vida e dos nossos direitos.
Como não tivemos quase nenhuma manifestação acerca da proposta de uma vigília há alguns dias, por conta da situação que alguns de nós estamos vivenciando, atualmente, estamos articulando junto das lideranças indigenas e alguns apoiadores dessa luta, para a vigília acontecer sem muito retardo.
Recentemente os Tremembé que vivem na região da Barra do Rio Mundaú, em Itapipoca, tiveram sua situação muito agravada, novas investidas com tentativas de embargos diversos. E para nós está muito claro que a defesa judicial é importante demais, mas também precisamos apelar para as forças espirituais, atendendo ao convitee a promessa do nosso Deus tantas vezes manifestada através da palavra de Seu Filho, Jesus, dos apostolos que O seguiram e O seguem ainda hoje. Nas inumeras comunicações espirituais com os Encantados em suas manifestações junto com os Tremembé, essa promessa é uma constante e reforça a luta de resistência deles e de topos os povos no Ceará.
A nossa idéia é um ato mais próximo, inclusive aproveitando o momento de força espiritual que permeia o tempo do Natal. Entendo que a idéia do Ademir passa pela facilidade de dispor de um local muito especial, como é na verdade o Parque Rio Branco. A gente teria que avaliar bem a escolha do local, a data, tendo em vista o tipo de proposta que essa idéia supõe. Nas diversas vezes que realizamos um gesto nessa linha, sempre o fizemos num local próximo das pessoas, de fácil acesso à chegada e saída das pessoas que desejamos atingir.
Na verdade vivemos mais exatamente no outro lado da cidade, que é o mundo mais próximo de nós. Talvez pudesse ser realizado em dois momentos, duas datas distintas. E também, Ademir, a vigilia como temos costume dura a noite inteira. Também teve umn ano que nos reunimos na Praça do Ferreira, junto com a Pastoral Operária, nos velhos tempo em que essa Pastoral tinha uma efetiva ação na cidade. Foi na época do Natal e foi um momento muito lindo, emocionante, teve umna boa repercussão. Não foi
uma Vigilia, foi uma apresentação da Vida, da Cultura, da própria existência e resistência dos trabalhadores, dos povos indígenas. Quem sabe poderiamos realizar algo assim ? É verdade que o tempo está quase vencido, uma pena.
Nós chegamos a pensar numa vigilia durante a Assembléia dos Povos Indígenas que deveria realizar-se na próxima semana, em Caucaia, na terra dos Anacé. Mas foi adiada para janeiro. São vários povos criminalizados, enfrentando momentos de grandes dificuldades. Vamos ver o que eles propõem. Seria bom, certamente, realizarmos um ato conjunto, considerando toda essa situação atual, mas entendo que a realidade dos nossos grupos é bem diversificada. Embora o motivo da nossa criminalização passa exatamente pela resistência à vida com dignidade sobretudo por parte dos que estão alijados da "sociedade".

Minha Reação às Opiniões de Maria Amélia:

Maria Amélia, demais EcoAmigos,

Acho legal "a vigilia acontecer sem muito retardo." Também no caso de Nayanna e demais perseguidos, quanto mais rápido, melhor. Pode ser entre Natal e Ano Novo, na atmosfera de passagem (que todos desejamos para melhor) para o novo ciclo de vida marcado pela chegada de 2010.
Compreendo a premência da questão indígena, suas dificuldades de mobilização; é compreensível a dificuldade de todos nós até para comparecermos, qualquer que seja o dia, local e hora, epsecialmente do pessoal do MST, se "toparem" fazer junto com o movimento urbano.
Quanto ao local, vou a qualquer um, porém mesmo correndo o risco de parecer intransigente, quero acrescentar alguns motivos para fazermos o ato em conjunto e para ser no Parque Ecológico Rio Branco:
1. Está comprovado que a união faz a força. Todos os perseguidos juntos terão maior visibilidade que um de cada vez. Ou um sozinho e não se fazer nada mais, porque não temos "pernas" para fazer tantos atos quantos são os perseguidos do movimento social;
2. Poderia ser na praça, qualquer praça do centro, mas aumenta a burocracia para conseguir a licença. A gente fica de pé, precisa alugar palco (além do som), a despeza cresce;
3. Poderia ser na catedral, mas ali agora há uma cerca de ferro. A gente fica sentado nos degraus, é menos confortável;
4. Em qualquer lugar é difícil levar gente. No parque, o desafio é o mesmo, porém passamos o semestre em uma espécie de "formação de platéia" aqui no Parque Ecológico Rio Branco. Para nossos luaus-show, levamos "até" 160 pessoas! Para nós, isso equivale a um Castelão cheio.
5. Sugeri ato-show pela nossa capacidade de mobilizar dentro deste tempo de 17 às 21h. Dada a experiência de insegurança da população, acho difícil as pessoas ficarem em uma vigília a noite toda. Entretanto, poderemos ficar com o "grande público" até o fim do show e a vigília prosseguir garantida mais por nós dos grupos e movimentos. O "grande público" é importante, por comunicar apoio da sociedade. Apoio a ser transmitido pela mídia. Sem mídia não se sensibiliza a insensibilidade das autoridades.
6. Para a parte do ato-show, garanto o Movimento Proparque convidar e levar umas 100 pessoas que moram nas imediações do parque. Trabalhadores que no dia seguinte vão estar no "batente", não podem ficar na vigília a noite toda. Ao redor das praças centrais e da catedral mora pouca gente e se trata de gente com a qual não temos relacionamento a ponto de convencer para comparecerem a nosso ato. Aqui, esse relacionamento já existe.
Agora, pessoal, se fizermos ato-shou ou vigília, ou as duas coisas juntas como no item 5, precisamos levar gente também de outros bairros. Daí minha referência ao fato de o Parque Rio Branco ficar em um cruzamento de linhas nos sentidos Antonio Bezerra-Messejana e Parangaba-Mucuripe. O esforço deve ser grande. Convidar também a rede de direitos humanos de Fortaleza.
Desculpe tanta redundância nesta memsagem. Mal de jornalista que começou pelo rádio. Fique claro: estes esclarecimentos são só para se tomar uma decisão a mais acertada possível. Posso não estar vendo detalhes relevantes que outros enxergam. Então, que os outros "falem". Os outros com a palavra.

Abração.
Ademir Costa

COMUNICAÇÃO DE MARIA AMÉLIA:

Amigas e amigos, todas(os),

Que bom Nayanna, que você concorda com a vigília ser realizada agora. Gosto também da idéia de ser entre Natal e Ano Novo.
É o mesmo tempo. Só não gosto muito da vigília/ato show, por uma questão muito simples - pela nossa experiência na defesa dos povos indígenas, certamente que não rezamos nem oramos. Uma das vigílias mais lindas e concorridas que fizemos nos
anos 1994 mais ou menos, foi uma vigília pela "Arte e pela Vida", em defesa do Povo Yanomami, quando eles sofreram uma chacina em sua própria terra. Foi em frente à catedral (ainda não tinha as grades atuais). Talvez vocês nem acreditem mas essa vigilia foi visitada a partir das 18 horas até às 06 horas do dia seguinte - por mais ou menos oitenta grupos de musica, de teatro, bonecos, e nem sei mais que outros artístas. Foi tão bonito e tão forte! Não fizemos discursos, não rezamos, nem oramos. Cantamos, recitamos, declamamos, merendamos (vários de nós levamos algo para ceiar), dançamos o torém, o toré... e a presença da imprensa local a partir das 18 horas e até às 06 horas do dia seguinte. Era difícil acreditar!
Na minha cabeça tenho algumas ideias mas estamos aguardando as sujestões das lideranças indígenas com quem nos contatamos. E se vamos realizar esse ato conjuntamente, as idéias de vocês, dos amigos e amigas todas (os). Estou de pleno acordo que não devemos nos dividir, fazer dois atos, duas vigílias. Mesmo que a questão indígena não perpasse nas propostas de todos nós. Eles (os povos indígenas, suas lideranças) nunca são mencionados quando se trata de dizer os nomes dos criminalizados... Apesar de eu estar sempre mencionando os Tremembé lá em Itapipoca. E agora soube dos Anacé, dos Pitaguary. E é preciso que eles ocupem esses espaços também, sejam vistos, conhecidos, respeitados e fortalecidos, sobretudo por nós do movimento ambientalista, popular, de trabalhadores, todos nós, enfim. Eles e outros, vários outros grupos, são os protagonistas dessas lutas e nós seus apoiadores. Alguns sofrem as consequências da sua ousadia ao apoiá-los. Mas eles devem estar juntos, sempre. Desculpem de eu dizer isso mas é porque é difícil demais, além da dificuldade em si mesma, resultado do enfrentamento com as elites, o poder do capital.
Penso que esse movimento de força em favor de todos nós, criminalizados, deveria levar em conta as famílias lá do Serviluz e imediações, da luta pela ocupação da terra na Praia do Futuro, o "Raízes da Praia". O MST também, naturalmente.
A reunião poderia ser mais próxima, para a gente se encontrar, combinar. Estou livre à noite, na próxima semana. Infelizmente estamos sem dinheiro e nem temos carro. Isto complica muito a nossa participação. E certamente não somos só nós nessa dificuldade. Mas vamos ver o que outros companheiros vão dizer, sugerir. E nos somarmos desde a reunião, a programação.
Entendo que quando falamos em vigília muitos ficam sem saber como dar opinião. É tudo muito simples mas com garra e beleza. Há vários anos fizemos uma onde hoje está a avenida Leste-Oeste – onde está localizado o hotel, ali atrás da Praça da Estação, em apoio às mulheres do velho e extinto "Curral", logo abaixo da Estação Central. A maioria de vocês nem sabe o que é isso. Foi no ano 1960, 1961, penso. Nós nos juntamos com essas santas mulheres e uma delas levou seu nenem, o seu pequeno Jesus Menino. Era o tempo do Natal. Foram momentos de muita sensibilização, de muita união e força, apesar da fragilidade das famílias (as mulheres e suas crianças) que estavam sendo expulsas, perseguidas, humilhadas.
Mais ou menos recente fizemos uma outra também a noite inteira (não é para todos ficarem a noite toda) em defesa dos Povos do Rio São Francisco, jejum (alguns) e vigília a noite toda. É uma expressão simbólica da luta de resistência por algo muito importante e que precisa ser partilhado com outros.
Desculpem que escrevo demais, mas são lembranças de atos que fortaleceram e animaram lutas conjuntas, através de gestos simples mas profundos e capazes de sensibilizar a humanidade das pessoas pelas causas que são de todos nós. Gostaria de animar vocês para realizarmos um gesto semelhante.
Vamos aguardar as manifestações que vão ajudar a direcionar essas nossas ações solidárias. Vamos cuidar, pois o tempo voa!

Maria Amélia

Nenhum comentário: